(PODCAST) Boaventura de Sousa Santos: «Os muros são criados pela União Europeia que resolve apropriar-se destas regiões [da raia] e submetê-las a uma lógica diferente»

Março 3, 2023

Foi no seu escritório no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra que realizámos esta entrevista ao sociólogo Boaventura de Sousa Santos. Recorde-se que é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É igualmente Director Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça. De 2011 a 2016, dirigiu o projecto de investigação ALICE – Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo, um projeto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos internacionais para a investigação científica de excelência em espaço europeu. Também nos falou deste projeto e da frustração enquanto investigador por verificar, uma vez mais, que aos políticos pouco ou nada interessa os resultados a que chegam os investigadores. E o paradoxo é tanto maior quando são atribuídas verbas públicas para estas investigações. Boaventura de Sousa Santos conta-nos nesta entrevista que foi dos poucos investigadores a ir ao Parlamento Europeu; neste caso apresentou os resultados a que chegou com o ALICE. Por iniciativa própria e por uma questão de consciência cívica. A sua ida neste contexto reforçou a ideia que já tinha sobre os fracos entusiasmo e interesse dos atores políticos pelos resultados a que chegam os investigadores.

Entrevista: Susana Helena de Sousa
Fotografias e vídeo: Eduardo Pinto

Em entrevista ao «Muros: Imaginamos a Eurorregião» recordou que a cooperação na raia sempre existiu. Destaca o Contrabando Tradicional – a que os antropólogos apelidam de «aspetos incómodos, difíceis, da raia» – como um exemplo de cooperação transfronteiriça, recordando que este fenómeno, apesar de ter persistido ao longo de séculos, foi mais intenso, a todos os níveis, durante as ditaduras de Salazar [Portugal] e de Franco [Espanha]. Mas a cooperação é manifestada também através de um casamento com registo paroquial ainda no século XVII, e consumado entre uma mulher e um homem escravos. E este sociólogo pede, igualmente, para atentarmos no testemunho vivo de cooperação transfronteiriça que é a língua, que são os falares da raia.

Este pensador, que é um dos maiores da atualidade, tem-se dedicado à valorização dos conhecimentos locais – uma luta a que deu o nome de «Epistemologias do Sul», cuja ideia passa por afirmar que não existe apenas o conhecimento científico, mas também os conhecimentos locais que devem ser valorizados. Boaventura de Sousa Santos, lamenta que a União Europeia à boleia dos jargões da cooperação tenha imposto uma lógica que aumentou a marginalização da zonas da raia.

Autor reconhecido e premiado em diversas partes do mundo, tem escrito e publicado extensivamente nas áreas de sociologia do direito, sociologia política, epistemologia e estudos pós-coloniais, sobre movimentos sociais, globalização, democracia participativa, reforma do Estado e direitos humanos, além de fazer trabalho de campo em Portugal, no Brasil, na Colômbia, em Moçambique, em Angola, em Cabo Verde, na Bolívia e no Equador. Os seus textos encontram-se traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, alemão, romeno, chinês, dinamarquês e polaco.

Questionámos Boaventura de Sousa Santos se é uma utopia querermos identificar muros, que precisam de ser derrubados, bem como imaginarmos uma Eurorregião… Garantiu-nos que não, salvaguardando que a utopia só faz sentido se o utópico se juntar com o vernáculo. Se não tivermos ideias feitas sobre o que as pessoas querem. Considera que na sociedade em que vivemos – desigual, conservadora e elitista – as pessoas têm a palavra; não são é ouvidas e, por isso, defende, que é preciso levar a sério a cidadania participativa e a iniciativa dos cidadãos e cidadãs; desde logo com a escuta verdadeira. Não podíamos concordar mais com esta ideia, sendo que a viagem por onde nos leva esta conversa/entrevista publicada em áudio no nosso canal de podcast é de uma construção tamanha para o nosso caminho. Viajemos juntos!


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