Terão os fogos florestais a atenção que merecem perante o flagelo que representam? Serão as (poucas) pessoas que residem na serra do Algarve resistentes o suficiente para aguentar as sucessivas incógnitas trazidas pelas alterações climáticas e que tornam qualquer dispositivo de combate mais vulnerável na hora do combate. Estaremos com um nível de prevenção à medida dos riscos? Haverá no terreno uma comunicação saudável entre as autoridades e a população que reclama também para si um conhecimento do terreno que não quer ver ignorado? Como travamos o fogo que acelera consigo o ritmo da desertificação e do despovoamento do Interior? Todos estes tópicos estiveram em cima da mesa-redonda dedicada a debater o flagelo dos incêndios e a gestão do território com os fogos de agosto de 2021 no sotavento do Algarve.
A associação Ecotopia Ativa – que se dedica à defesa do Ambiente, dos recursos naturais e dos ecossistemas – levou a cabo uma sessão multifacetada que durante a tarde de sábado, 15 de Junho, mostrou ser uma ponte generosa entre comunidade local e as diversas autoridades presentes. O acolhimento foi do clube de caçadores dos Castelos em parceria com o clube de caçadores da Corte António Martins; e assim em plena antiga sala da escola primária da Corte, concelho de Tavira, fez-se história na comunidade. O debate versou o flagelo dos incêndios florestais, debruçando-se sobre o caso dos fogos de Agosto 2021 que afetaram a serra do sotavento do Algarve, nomeadamente dos concelhos de Tavira, Castro Marim e Vila Real de Santo António.
Luís Rocheta, Manuel Rodrigues e Rui Horta são três dos protagonistas da curta-metragem «Deixa Arder», com realização de Henrique Mestre, sob a direção de conteúdos de Ângela Rosa. Estiveram de viva-voz na antiga escola primária da Corte António Martins e reforçaram tudo o que já tinham dito para as câmaras em Agosto de 2021, e dias depois das chamas terem consumido muitos dos seus bens. Ou seja, as mesmas considerações foram feitas a quente e a frio com o objetivo de sensibilizar para uma maior atenção a quem continua “ao abandono numa serra consecutivamente desvalorizada”. A dor de quem perdeu tudo ou quase tudo, sendo que muitas dessas pessoas não foram apoiadas financeiramente para reeguer os seus (poucos) bens, é muito bem retratada pela curta-metragem da Ecotopia, mas também é muito bem transmitida por quem tem o poder nas mãos e se mostra impotente. “Muitas das vítimas não puderam ser ressarcidas porque não tinham os seus bens registados”, declarou a vereadora Sónia Pires que tem na câmara municipal de Tavira o pelouro do ambiente e que em 2021, por altura dos fogos, não pertencia ao executivo municipal. A autarca anunciou que o executivo a que pertence está a elaborar a legislação para a criação de um fundo municipal “para dar algum apoio à população que tem anos de trabalho, mas que em segundos fica sem nada”. Ainda não há data para o Fundo em questão entrar em funcionamento.
Serviço Municipal de Proteção Civil Tavira foi criado após incêndios e já gastou 800 mil euros na prevenção
A câmara municipal de Tavira em 2021 não tinha dispositivo de proteção civil municipal. A equipa foi criada no pós-incêndios e para dar resposta ao flagelo. Recebeu 26 desalojados, bem como evacuou o canil de Santa Rita, do concelho vizinho de Vila Real de Santo António. Miguel Silva é desde então o coordenador da Proteção Civil de Tavira. Contou na sessão que coube à sua equipa fazer um levantamento dos estragos provocados pelas chamas e desenhar uma intervenção musculada na área da prevenção. Desde a limpeza florestal, bem como a criação de faixas de gestão de combustível e a limpeza de aglomerados. Desde 2021 e até este ano 800 mil euros foram já gasto na prevenção através da realização de diversos projetos.
“Futuro tem de passar por investimento de 80% na prevenção e 20% no combate”, diz comandante regional Vaz Pinto
O Comandante Regional de Emergência e Proteção Civil, Vítor Vaz Pinto, garantiu que a estratégia de prevenção e combate aos incêndios na região mais a sul está mais equilibrada desde 2015, contrariando o que até aí representava um grande desfasamento de investimento. “Gastava-se 80% no combate e 20% na prevenção”. O responsável garante que estamos no bom caminho, defendendo que o futuro deverá passar “por se gastar 80% na prevenção e 20% no combate”. E lembrou que “todo o dinheiro que é gasto na prevenção tem retorno, mas o que é gasto no combate não tem retorno nenhum; é queimado, literalmente”. Quanto ao sistema de combate não tem dúvidas em afirmar que Portugal está muito bem preparado estrategicamente e com reforço importante dos meios. Recorde-se que a 14 de Junho, o governo português anunciou “o maior investimento de sempre no sistema de combate aos incêndios em Portugal”, sendo que o Algarve tem este ano mais uma equipa de intervenção permanente e outra de Sapadores Florestais no Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) de 2024, que aumenta também as compensações aos bombeiros.
Perante a vulnerabilidade, só uma melhor preparação ajudará a lidar com fenómenos climatéricos extremos
António Miranda, diretor adjunto do ICNF [Instituto de Conservação da Natureza e Floresta] não tem dúvidas que “fazem falta mais jardineiros da paisagem”. Referindo-se aos habitantes do mundo rural do Algarve, este responsável diz que são essenciais para a prevenção das catástrofes como os grandes incêndios que antes também tinham condições climatéricas favoráveis, mas que não se despoletavam porque a serra, o campo e as aldeias estavam ocupados por mais pessoas que cultivavam as terras e beneficiavam os territórios. Hoje não existem interrupções do fogo porque falta o cultivo dos terrenos. O padrão dos grandes fogos só mudará se for possível intervir na paisagem e isto só se faz com pessoas no Interior. Face ao despovoamento e desertificação do Interior esta intervenção antevê-se cada vez mais difícil.
“A política de ordenamento de território que temos não serve”
Miguel Mota e Costa, da área da Agricutura, Desenvolvimento Rural e Pescas da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDRAlg), lembrou a importância que urge da ocupação do Interior por parte dos jovens e o desenvolvimento de atividades económicas rentáveis. “Sem retorno económico as pessoas não se fixam”, lembrando que a atividade cinegética é uma das que mais movimenta o investimento nas zonas rurais. A apicultura foi também uma atividade realçada como bastante rentável pelo responsável que lembrou a necessidade de se apostar, definitivamente, na inovação do que à sua comercialização e transformação diz respeito “ao invés de vendermos o mel a granel para outros irem buscar a sua mais-valia”. A pecuária extensiva está também no leque das atividades que considera promotoras de riqueza da biodiversidade, social e económica, bem como potencial preventivo contra os incêndios. O diretor de serviços mostrou-se empenhado em mostrar o potencial económico do Interior, dinamizando soluções e encontrando novas saídas para problemas antigos.
Já no que diz ao Ordenamento do Território, e sem querer vincular a sua opinião à CCDRAlg, Miguel Mota e Costa, que até há bem pouco tempo foi responsável pela Reserva Agrícola no Algarve, afirmou que tem que haver uma política positiva de ordenamento do território, sendo que a que temos não serve”. Falou em “demasiadas restrições para quem está no Interior poder construir ou ampliar a sua casa”, sendo essas restrições em si mesmas fator de esvaziamento do Interior algarvio.
“As pessoas não têm dinheiro para limpar os terrenos”, garante a GNR
David Santos em representação do Comandante do Destacamento Territorial da GNR de Tavira, lembrou na sessão que “a GNR é a entidade que está mais em contacto com a população, sobretudo em época de incêndios”. Defendeu na sessão que “é importante no mundo rural deixarmos os termos técnicos para trás e levar a cabo uma comunicação que seja mais acessível” e garantiu que o que mais encontra no Interior é uma população envelhecida sem força e que se queixa por não ter dinheiro para fazer face às despesas de limpezas dos próprios terrenos.
Bombeiros de Tavira com o dobro dos efetivos do que em 2021 e mais meios na serra
Na frente de combate estão os bombeiros, sendo que a corporação municipal de Tavira diz estar mais preprada este ano, pois viu duplicar o efetivo em três anos, de acordo com Hugo Garrido Machado. O comandante dos Bombeiros Municipais de Tavira anunciou mais meios, nomeadamente a aquisição de um veículo ligeiro de combate a incêndios e um centro de meios aéreos na aldeia de Cachopo.
As crianças estão a aprender sobre prevenção dos fogos e a levar informação para as famílias
No que toca ao concelho vizinho de Vila Real de Santo António, o responsável da proteção Civil, Alexandre Cardigos realçou a importância do projeto que está a levar o tema da prevenção dos incêndios florestais às escolas e aos “mais jovens que são os melhores veículos de informação e promovem a alteração de comportamentos dos pais”. O responsável referiu, ainda, a importância do mapeamento do concelho de Vila Real de Santo António e da ampliação da intervenção por parte da equipa de sapadores florestais; que até aqui estava muito centrado na mata de Vila Real de Santo António, e que agora também já serve a freguesia de Vila Nova de Cacela.
“Andamos a correr atrás do prejuízo, mas continuamos a dificultar a fixação de pessoas no Interior”
Da parte do público a participação foi generosa e ouviram-se elevadas críticas às políticas “que ao longo de 30 anos promoveram o abandono do Interior”. Denunciou-se elevadas restrições “à construção de habitação ou de armazéns agrícolas”. Defendeu-se que a barragem de Odeleite, cuja primeira boca de rega fica a 20 km da localidade onde foi construída, deveria ser complementada por pequenos charcos ao longo da serra para fazer face à escassez de água no Algarve. “Será que a solução para ressarcir sobre as perdas materiais passaria por um seguro obrigatório feito pelos proprietários?”. A questão lançada ficou no ar. E foi também advogado no fórum-cidadania que as “autarquias deveriam assegurar equipamento de trituração dos materiais de limpeza dos terrenos com o apoio financeiro do ICNF”.
Recorde-se que esta sessão da Associação Ecotopia Activa inseriu-se no programa «EQUINÓCIOS» do Município de Tavira. Os três momentos foram a exibição da curta-metragem «Deixa Arder», o Fórum-Cidadania e a Mesa-Redonda. A sessão contou com a presença dos protagonistas do filme: Rui Horta, Manuel Rodrigues, e Luís Rocheta.
A curta-metragem com produção e direção de conteúdos de Ângela Rosa é realizada por Henrique Mestre e conta com música de Silvino Campos, Arte e design de cartaz de Ana Isabel Santos, redação de comunicado e sinopse de Carla Sofia Ferreira e Ana Isabel Santos, suporte operacional de Lívia Viana, Rosa Guedes, Inês Mesquita, Luís Ojalvo e Maria Gomes.São protagonistas de ‘DEIXA ARDER’ Rui Horta, Manuel Rodrigues, Ivo – Pastor, Eduardo Fernandes, Manuel Romeira e Luís Rocheta. Conta ainda com a colaboração do Clube de Caçadores da Corte António Martins, Clube de Caçadores dos Castelos e ANCCRAL – Associação Nacional de Criadores de Caprinos da Raça Algarvia. Pode ver o trailer aqui.
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