As fitas são de festa porque na ocasião em que foi feita a fotografia que ilustra este artigo estava a decorrer um evento que tornou a Aldeia da Luz ao longo de três dias a capital da inovação social em Portugal. Aliás, durante o evento a própria aldeia foi evocada por ministras e outras pessoas com responsabilidade política como um “exemplo de inovação social”. Recorde-se que este lugar foi criado de raíz depois da antiga povoação homónima ter sido submersa por força da construção da barragem do Alqueva. Quando o tempo é de maior seca e o caudal da barragem diminui vêm à tona de água vestígios e outras memórias que tais.
Nunca será possível afogar as mágoas das pessoas que foram realojadas numa aldeia no concelho de Mourão, Alentejo, criada de raiz e que da original, verdadeiramente, pouco trouxe para além do nome «Luz». Debaixo de água ficou quase tudo o resto e que não ser recupera. Apenas se avista quando o caudal da barragem baixa fruto de tempos de maior seca. Há quem se regule por umas amendoeiras centenárias para se localizar na aldeia antiga e há quem consiga ainda recuperar um ou outro azulejo da casa da família. Pequenos consolos que vão servindo de paleativo para aguentar o sofrimento causado pelo trauma de ver a sua aldeia afundada para dar lugar a uma barragem. Para além das casas, construiu-se a igreja, a escola e até o cemitério que acolheu os restos mortais que também foram transferidos, tendo sido este um processo muito sofrido por todas as pessoas.
Quintais empurrados para as traseiras são muros altos entre habitantes
Não existem dúvidas na comunidade em considerar que a população não foi devidamente ouvida em todo o longo processo da construção da «nova» Aldeia da Luz. Se por ventura houve uma alegria inicial no caso de quem viu a sua casa nova oferecer um conforto que a antiga não conseguia oferecer, essa sensação esfumou-se com o passar dos anos porque não foi possível à esmagadora maioria das pessoas adaptar-se ao processo de mudança. Cada vez mais despovoada, a comunidade da Luz, que em 2002 quando foi inaugurada tinha pouco mais do que 300 habitantes, é hoje lugar deserto. Os quintais empurrados para as traseiras das casas são autênticos muros altos erguidos para impedir a comunicação. Há quem assegure que só em dias de festa é que as pessoas se encontram na rua, tal é o desencontro vivido neste lugar pequeno onde o tempo passa devagar. Ao contactarmos com quem ali mora e assistiu a todo o processo de transformação, encontrámos solidão, tristeza, nostalgia e amor que lamenta esta terra silenciada e onde os jovens não podem regressar ainda que quisessem. Mas também escutámos pedidos de ajuda e ideias para o futuro. É o testemunho de quem ao falar sobre tudo isto, verdadeiramente, chora aos nossos ouvidos:
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