Algarve: uma «região rica» com a taxa de pobreza acima da média nacional

Dezembro 14, 2023
O Algarve “esconde” muitas desigualdades sociais. Ou por outra, o Algarve é aquela região de sonho na época alta, mas que durante a época baixa do ano [e que é muito longa] dorme acordada; em sobressalto, em sobrevivência. Se repararmos somos poucos os que ocupamos o nosso lugar a Sul, e para além de sermos poucos, muitos de nós estão a passar por sérias dificuldades na vida. Os factos dizem isso mesmo e constam no Plano de Desenvolvimento Social do Algarve [PDSA] que foi apresentado com pompa e circunstância [na presença de Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social] no passado dia 11 de Dezembro, no Teatro das Figuras, em Faro. Afinal, o que omitem os números quando identificam o Algarve como uma «região rica»; a mesma região onde se regista uma taxa de pobreza acima da média nacional?!…

Foto: Eduardo Pinto/ A imigração tem feito aumentar a população no Algarve, mas também a clivagem entre imigrantes ricos e pobres

A AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve, com o envolvimento direto dos 16 municípios que a compõem, iniciou em 2019 um processo de colaboração com o Centro Distrital de Segurança Social de Faro, Instituto de Segurança Social, IP para a elaboração do Plano de Desenvolvimento Social do Algarve [PDSA]. Para além destas entidades regionais que desencadearam o processo, constituem o núcleo central do PDSA: o IEFP, Delegação Regional do Algarve, a Administração Regional de Saúde do Algarve, a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, Direção de Serviços da Região do Algarve, a CCDR Algarve e a Universidade do Algarve. No dia da apresentação deste documento estratégico quem inerveio não poupou nos adjetivos para sublinhar o alarme social que o documento revela aos vários níveis: saúde, educação, habitação, pobreza, migração, entre outros. Desde logo, “o Algarve é a região do continente que apresenta a mais elevada taxa de privação material e o maior risco de pobreza após as transferências sociais (18,6%)”. Um risco de pobreza que atinge, sobretudo, famílias monoparentais e famílias com 3 e mais crianças, o que faz das crianças residentes na região um grupo particularmente vulnerável. A região tem cerca de 11 mil crianças e jovens em risco de pobreza extrema, sendo que a população residente em risco de pobreza apresenta valores superiores à média do país. No Algarve são 24,5%, muito acima do valor nacional de 19,4%. Mas onde estão estas pessoas em pobreza extrema que durante o tempo estival ninguém parece [querer] dar por elas? Muitas estão a trabalhar [algumas ainda sem idade permitida por lei] doze ou mais horas por dia, acumulando empregos precários.

 

Abandono escolar: Algarve tem uma taxa duas vezes superior ao país e à média europeia

A pobreza contribui e muito para a intensidade do abandono escolar. A prova disso é que no Algarve [19,9%] a taxa de abandono escolar é o dobro da média nacional e da União Europeia. Duas vezes mais em toda a linha… A escola não está a conseguir fazer funcionar o seu elevador social. Resta-nos perceber se, pelo contrário, está a constribuir para o seu funcionamento em sentido descendente, até pisos subterrâneos… Como serão as escolas capazes de aceitar, integrar, valorizar e abraçar crianças e jovens cujo estigma da pobreza é cruel e irascível e que os faz demorar na exclusão, a si e às gerações vindouras? Falamos de Escola Pública e seus métodos. Estaremos a conseguir que seja, realmente, uma escola para todas as pessoas, sem excepção? Os números fazem soar todos os alarmes na região.

Algarve com as casas mais caras e maior sobrelotação da habitação 

Foto: Eduardo Pinto/ Algarve é a região do país onde a sobrecarga de despesas com a habitação é maior [+4,1%] bem como onde há maior sobrelotação [+4,3%]

O PDSA está, igualmente, atento aos problemas agudos na habitação. Tal como noticiámos anteriormente [ler aqui] a habitação na região assume contornos de flagelo social, sendo o Algarve a região do país onde a sobrecarga de despesas com a habitação é maior [+4,1%] bem como é a região do país onde a sobrelotação das casas é mais gritante [+4,3%]. Decorrente de dificuldades com a habitação, aumentam os casos de pessoas em risco de perder as suas casas ou até quem já as tenha perdido e em com isso colocado, desde logo, em causa a guarda dos próprios filhos.

Plano tem 12 eixos, assumindo seis deles caráter de urgência

No total, este PDSA tem em marcha 12 eixos, sendo que seis têm caráter de urgência e por isso vão ser implementados a curto prazo. Contudo, ainda falta serem definidos no seu conteúdo, objetivos, metas, meios e quadro de responsabilidades de execução. Esperemos que depois do Natal e festas de celebração de novo ano [porque antes sabemos que não será] quem de direito arregace as mangas para completar estas etapas e colocar as medidas no terreno. Os seis eixos prioritários já, devidamente, identificados são: Estratégia nacional para o acesso à habitação, Programa regional de Apoio à Infância, Programa regional para o combate ao insucesso e abandono escolar, Estratégia regional de combate à pobreza, Programa Regional para a igualdade de género e combate à violência doméstica, Programa regional para a integração de imigrantes [O Algarve é a região do país com maior peso de imigrantes no total de residentes e com perspetivas futuras de contínuo aumento, registando-se inúmeras clivagens sociais entre os vários perfis de imigrantes].

Norte e Sul da EN 125: Algarve cada vez menos coeso

Foto: Eduardo Pinto/ O nosso projeto Muros pretende imaginar um futuro melhor. O setor social é central no nosso caminho

O nosso projeto Muros está sedeado no concelho de Castro Marim e propõe-se imaginar uma Eurorregião Alentejo, Algarve e Andaluzia que prometa futuro. Imaginar é ter a capacidade de sonhar, de mapear a utopia no caminho. E só assim poderemos caminhar, pois o panorama atual mostra uma desertificação populacional aqui bem perto da raia sendo o concelho de Alcoutim exemplo claro de uma significativa inversão da pirâmide etária. Quem escreveu o PDSA sublinhou que as poucas e envelhecidas pessoas a residir neste concelho “tem trazido ao debate e à reflexão, a necessidade da adoção de medidas para a fixação da população, especialmente das faixas etárias mais jovens, de apoio social e de combate ao isolamento geográfico, familiar e social dos idosos”.

No que diz respeito a Castro Marim “não é um concelho homogéneo. Em termos demográficos enfrenta diversos problemas derivados da baixa natalidade, do isolamento geográfico e do envelhecimento da população”, significando que está em contraciclo com o panorama regional [porque o Algarve, muito fruto da imigração, tem visto crescer a sua população nos últimos anos]. Este concelho raiano, registou um decréscimo populacional na última década. Por outro lado, “o número de residentes com 65 e mais anos sofreu um aumento na ordem dos 21,4%, sendo que em todas as outras faixas etárias se verificaram quebras, em especial na dos 15 aos 24 anos. A escassez de habitação e as rendas elevadas são também desafios que o concelho terá de enfrentar, encontrando medidas que levem à resolução destas problemáticas. Em 2021, a maioria dos alojamentos, 58,2%, destinava-se a residência secundária e cerca de 9,7% encontravam-se vagos”, pode ler-se no PDSA.

Encontros temáticos vão acontecer na região à boleia do PDSA

Foto: Eduardo Pinto/ Painel dedicado à pobreza foi moderado pela jornalista Fernanda Freitas

É de referir que o Plano propõe-se também a ser mobilizador de encontros temáticos. O primeiro aconteceu logo no dia 11 e dedicou-se ao tema da Pobreza. No painel, moderado pela jornalista Fernanda Freitas, estiveram Paulo Pedroso, sociólogo, Francisco Amaral, edil de Castro Marim, António Goulart, ex-sindicalista, e Sandra Araújo, coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.

Leia o Plano de Desenvolvimento Social do Algarve na íntegra aqui

 


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