Desde a falta de políticas públicas às soluções inovadoras: o grito pela Habitação

Dezembro 4, 2023
A habitação é um direito que quando não usufruído coloca em causa todos os outros. Uma evidência que nos dias que correm é preciso sublinhar, na medida em que são cada vez mais os casos das pessoas que não estão a conseguir aceder a este primeiro direito. A Rede Europeia Anti-Pobreza EAPN/Portugal – Núcleo Distrital de Faro levou a cabo o webinar: «Habitação: do sonho à realidade», no passado dia 29 de Novembro, com vista a traçar o panorama atual, mas também a lançar tópicos sobre as soluções possíveis para que a habitação seja um lugar acessível.
Imagem de Capa: Eduardo Pinto 

Já ouviu falar de habitação colaborativa? Já se associou para levar a cabo reivindicações de modo a ver melhoradas as condições de vida do seu bairro? Estarão as autarquias ágeis para um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que financia 100% a fundo perdido a construção e reabilitação de imóveis para as famílias com mais dificuldades económicas? Terá o Interior do país tratamento de excepção nestes apoios? Estas e muitas outras questões fizeram parte do encontro online que juntou responsáveis políticos, técnicos e dirigentes de inúmeras entidades ao nível regional, mas também nacional. A habitação representa um direito social em risco e os desafios colocam-se em todas as faixas etárias, sendo que no que toca às pessoas ciganas e migrantes este é um risco ainda mais acrescido. Neste campo, o papel das autarquias e demais instituições do setor social é fundamental de modo a construírem soluções e a fazerem a ponte com os beneficiários. Perante o novo modelo de sociedade o combate à pobreza é um desígnio nacional, tendo a habitação um lugar central.

Foto: Eduardo Pinto / As portas da habitação estão a fechar-se para cada vez mais pessoas em pleno século XXI

Plano de Recuperação e Resiliência: os 2,7 mil milhões de euros alocados na habitação não podem ser desperdiçados

Para ajudar a resolver o problema da habitação social e estudantil em Portugal, o Plano de Recuperação e Resiliência [PRR] tem alocados 2,7 mil milhões de euros. No entanto, vários foram os oradores no webinar promovido pela Rede Europeia Anti-Pobreza EAPN/Portugal – Núcleo Distrital de Faro e que alertaram que é preciso haver uma estratégia nacional para que a verba seja aplicada o mais acertadamente possível, e tendo em linha de conta que apesar de muitos milhões o dinheiro mostra-se escasso para o tanto que há a fazer neste setor. Margarida Flores, diretora regional no Algarve do Instituto de Solidariedde e Segurança Social questionou se estará a região a desperdiçar o PRR, salientando que no que diz respeito à habitação colaborativa, nomeadamente, o Algarve não submeteu qualquer candidatura. Relembrando que este programa vigora até 2026, a responsável teme que as oportunidades não sejam aproveitadas como deveriam, e que mais gerações futuras possam ficar duramente afetadas por este fenómeno que decorre do empobrecimento da população. “É preciso continuar com a inovação social para resolver estes problemas graves. A cidadania deverá ser assumida como fator de mobilização para que se reduza a diferença entre direitos proclamados e os direitos assegurados”, apelou Margarida Flores.

Estratégia Nacional de Combate à Pobreza com papel importante para assegurar primeiro direito

Por seu turno, Dionísia Pedro, técnica da EAPN/Portugal. que falou em nome da representante da direção da EAPN/Portugal, Luísa Dantas, lembrou no arranque da sessão o importante papel das autarquias locais e das várias Estratégias Locais de Habitação, alertando que é preciso que sejam garantidas as condições para que todas as pessoas tenham acesso a uma casa, acudindo às situações de maior vulnerabilidade. “As pessoas em situação de pobreza não têm dinheiro disponível para investir em reparação e manutenção”, referiu, sem esquecer que cada vez mais as pessoas estão a ser obrigadas a coabitar em habitações exíguas que levam a um enorme leque de problemas sociais. “Os jovens são obrigados a adiar os seus planos de vida”, referiu sem esquecer outro fenómeno que está a crescer em Portugal e que é o maior número de sem-abrigo. Frisando que “a habitação é um pré-requisito para aceder a outro tipo de direitos”, Dionísia P., lembrou que, vítimas de condições indignas, as comunidades ciganas e migrantes, representam omaior  número de pessoas que vivem em situações limite de vulnerabilidade social. A técnica da EAPN Algarve lembrou, igualmente, o importante papel das autarquias e entidades do setor social “para esclarecimento, referenciação e encaminhamento das pessoas beneficiárias”. Convicta de que “há um longo caminho a percorrer” ao nível da habitação, considerou muito importante a articulação entre as várias estratégias”, nomeadamente com a Estratégia Nacional de Combate à pobreza. “Desperdiçar as oportunidade dos fundos de apoios em vigor poderá compremeter  futuros dos nosso jovens”, rematou.

A falta de políticas de habitação na região do Algarve 

Foto: Eduardo Pinto / No Algarve menos de 50% das habitações são próprias, sendo a grande maioria para colocar no mercado imobiliário

O economista Brandão Pires, primeiro secretário da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), afirmou que o facto de voltarmos a discutir as política de habitação e definir medidas, depois de uma longo interregno, é revelador do grande problema que representa. Focando-se na região do Algarve, fez uma análise segmentada do setor e lembrou que a habitação “tem uma tripla função: é um bem de consumo, um ativo financeiro e uma fonte de rendimento”. No Algarve menos de 50% das habitações são próprias, sendo a grande maioria para colocar no mercado. O responsável apontou o dedo à falta de políticas públicas de habitação na região, “o que representa um grande problema, sendo que a habitação social ao nível nacional tem pouco peso e no Algarve não chega aos 2,5%, mostrando-se, por isso, uma necessida absoluta”.

Sendo o mercado de habitação regulado por rendimento das famílias, preço dos apartamentos, preço do arrendamento e custo de financiamento, é importante aumentar o parque habitacional público, rever a política de solos e o ordenamento do território”. Brandão Pires defende que “o despovoamento do Interior deve ser encarado como uma realidade para a qual é preciso olhar para serem criados meios de transporte associados e desenvolvidas políticas de ordenamento do território”.

Para este economista, parte da solução da habitação está em melhores ordenados e melhores condições de vida. “Estamos a crescer nos baixos salários e a exportar os jovens licenciados”. Brandão Pires defendeu que “é preciso dar uma volta ao modelo económico do Algarve, numa região em que a classe média está a desaparecer”.

Tendas e barracas aumentam no Alentejo e Algarve tem a maior sobrecarga de despesas e sobrelotação nas casas

Foto: Ahmed Akacha / O distrito de Beja, no Alentejo, tem o maior número de tendas e barracas em Portugal

Do Observatório Nacional da Luta contra a pobreza, Elisabeth Santos trouxe até à sessão vários testemunhos de pessoas com perfis muito distintos, mas que em comum têm problemas de habitação. A responsável mencionou alguns indicadores importantes que mostram a dura realidade do país, tendo o impacto da sua comunicação sido dado pelas duras histórias de vida que partilhou. Segundo os dados daquele Observatório, o Algarve tem um número expressivo do chamado «alojamento não clássico», ou seja: barracas e tendas, nomeadamente, mas é no distrito de Beja, no Alentejo, que os números têm maior proporção. A disparar os casos de alojamentos nestas condições está o concelho de Odemira. Já no que diz respeito às taxas de sobrecarga com as despesas de habitação o Algarve é a região que apresenta maior densidade, bem como se destaca no que diz respeito às taxas de sobrelotação de habitação. O Observatório Nacional da Luta Contra a Pobreza levou a cabo uma auscultação às pessoas afetadas por estes fenómenos de grande dificuldade. Da parte das pessoas carenciadas recebeu vários pedidos de ajuda, tais como: o apoio às comunidades ciganas e outras minorias étnicas, regulamentação do mercado imobiliário, políticas públicas de habitação jovem, edifícios devolutos e desertificação de alguns centros urbanos, atenção aos espaços rurais mais isolados até à fiscalização das condições de habitabilidade.

«Habitação Colaborativa» pode ser a solução para Portugal; o segundo país mais envelhecido da Europa?

A sessão contou também com Nuno Marques, médico e diretor do Centro de Competências de Envelhecimento Ativo (CCEA), cujo objetivo é desenvolver e aplicar uma abordagem positiva ao envelhecimento, através de equipas multidisciplinares e com competências que lhes permitam atender ao desafios e necessidades da terceira idade. Ora, o que Nuno Marques trouxe para a discussão foi uma abordagem de habitação também ela inovadora: a habitação colaborativa. “Trata-se de uma nova oferta que o setor social abraçou à imagem de outros países europeus”, explicou o responsável que lembrou também que Portugal é já o segundo país mais envelhecido da Europa, a seguir à Itália. A habitação colaborativa promove a menor institucionalização das pessoas idosas e por isso o seu  maior bem-estar, desde logo, mental. Salvaguardando os casos em que a institucionalização se torna inevitável, Nuno Marques esclareceu que o objetivo de um modelo de habitação colaborativa é a criação de resposta que mantenha as pessoas nas suas casas, no conforto que já conhecem, promovendo um lugar seguro e a autonomia de cada uma. Sem rodeios, Nuno Marques foi enfático quando considerou que o Algarve “deveria apostar neste modelo de habitação”, incentivando que a região “se organize e prepare projetos para novo concurso que vai abrir em breve”, lembrando que ao concurso anterior não foi submetida nenhuma candidatura da região. Mais uma vez fica no ar a pergunta se o Algarve está a desperdiçar ou não apoios financeiros com 100% a fundo perdido e que servem para dar resposta a uma carência tão grande como é o caso da habitação para a população envelhecida. É de referir que o Centro de Competências do Envelhecimento Ativo está focado, igualmente, na reabilitação de casas, sempre com fim de manter as pessoas idosas num lugar seguro aos vários níveis.

É preciso abrir o diálogo à comunidade para dar respostas adequadas sob pena de elevados custos sociais

Foto: MUROS / Planeamento e participação cidadã têm sido ignorados nas políticas públicas, representando elevados custos sociais

A investigadora Marta Santos, que está a realizar um doutoramento em Estudos Urbanos na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas no ISCTE, traçou no webinar um olhar sobre a produção de habitação social nos últimos 30 anos, destacando as novas oportunidades surgidas nos últimos cinco. Desde 2005 que houve um notório abrandamento na aposta na habitação pública. A investigadora referiu que ao longo do tempo “tem sido deixado de lado o planeamento e a participação o que tem custos sociais muito elevados”. Marta Santos avançou, ainda, que “desde 2018 surgiu uma nova geração de políticas de habitação que trouxe abordagens de maior especificidade das políticas”, destacando o programa «1.º Direito» [Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, que visa apoiar a promoção de soluções habitacionais para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e que não dispõem de capacidade financeira para suportar o custo do acesso a uma habitação adequada]. Quanto ao diálogo para o setor da habitação entre entidade financiadora e beneficiários, a doutoranda em Estudos Urbanos, afirmou que é “determinante que os municípios e outras entidades locais tenham um papel importante para criar essa especificidade, com integração socioterritorial de famílias carenciadas”. Fez também uma abordagem à situação habitacional dos ciganos portugueses e as suas várias realidades, desde as mais conflituosas até às mais pacíficas. Lembrando que é ao nível local que os problemas surgem, defendeu que as estratégias devem ser desenhadas também elas ao nível local e integrando todas as especificidades das várias comunidades, não nos podendo satisfazer uma resposta única para o mesmo problema. Marta Santos lembrou que quando abordamos o tema da habitação “é a partir de análises, avaliações e produção de recomendações (nacionais e europeias) que devemos sintetizar os pontos essenciais para que uma estratégia habitacional dirigida a grupos populacionais específicos tenha possibilidades de sucesso”.

Só há coesão social com verdadeira discriminação positiva do Interior e dos território silenciados

Sílvia Jorge, investigadora do Centro para a Inovação em Território, Urbanismo e Arquitetura, do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa, dedicou a sua comunicação às comunidades desfavorecidas e foi muito enfática enquanto afirmava que em prol da coesão social é preciso promover a discriminação dos territórios mais desfavorecidos. A investigadora tem-se dedicado a estudar o programa «1.º Direito» e referiu que apesar de “a dificuldade de acesso a uma habitação condigna surgir geralmente associada aos grandes centros urbanos, em particular às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”, esta é uma visão falaciosa. Considera que esta é uma “leitura parcelar e muitas vezes enviesada do país” o que “dificulta uma resposta integrada e estratégica sobre o atual problema da habitação, que se revela sistémico, estrutural e multidimensional”. Ao colocar “em diálogo diagnósticos, políticas e respostas desencadeadas”, Sílvia Jorge, pretende “mostrar que, para além das características sócioeconómicas e habitacionais das comunidades desfavorecidas, o lugar onde vivem, especificamente o município em que residem, também pode representar um importante fator de vulnerabilidade”. Ou seja, a visão local dos problemas é determinante para o desenho das políticas públicas o que se contrapõe à sobreimportância dada às agendas políticas e mediáticas, “no seio da academia, ocultando ou negando a existência de outras realidades, desafios e problemas habitacionais para lá destes limites territoriais”.

Imagem: Eduardo Pinto / Em prol da coesão social é preciso promover a discriminação dos territórios mais desfavorecidos e silenciados

Bairro Ribeirinho de Faro já tem associação pela melhoria do lugar

Este webinar contou com o contributo de Lúcia Margutti, vice presidente da “Associação Bairro Ribeirinho”. Localizado no centro histórico da cidade, este bairro tem agora um movimento associativo cujo grande objetivo passa por melhorar e valorizar este lugar. Lucia M. recordou que esta zona da cidade conheceu na última década uma maior ocupação, mas que são vários os problemas associados que “atropelam o Artigo 66.º da Constituição [da República Portuguesa e que assegura um bom ambiente e qualidade de vida da população]”. Esta associação mostra-se empenhada em preservar o património histórico, social e cultural daquele bairro, não só recuperando memórias, mas também contribuindo para a sua valorização do lugar e as suas idiossincrasias.

Foto: MUROS / Neste webinar dedicado à habitação e promovido pela EAPN participaram cerca de 60 pessoas

É de referir que este webinar contou com a participação de cerca de 60 pessoas e que da parte do público a discussão foi muito rica, sobretudo na procura de respostas para as novas soluções na área da habitação. Evidenciaram-se preocupações latentes de várias autarquias e entidades de solidariedade social ali representadas, e foi demonstrado por todos um sentimento de contrarrelógio para resolver um problema que tende a agravar-se.


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