Falta de capacidade técnica na administração pública está a comprometer eficácia dos Orçamentos Participativos

Março 11, 2023

Está prestes a ter lugar a conferência final do projeto Communities Driving Change (CIVIC), liderado pela cooperativa Contextos, de Faro. Acontecerá a 21 e 22 de Março na Grécia com acolhimento da United Societies of Balkans, entidade parceira neste projeto internacional financiado pelo programa «Europa para os Cidadãos». Ali vão chegar a Contextos, a Asociacija Aktyvus Jaunimas (Lituânia) e a Asociatia Centrul Pentru Strategii de Dezvoltare a Tineretului (Roménia) para debaterem o trabalho desenvolvido bem como apresentarem os resultados finais. 

É de referir que em Fevereiro a Contextos organizou, em parceria com o nosso projeto Muros, uma sessão no âmbito daquele projeto dedicada à Cidadania Participativa, convidando para o painel de oradores especialistas na matéria. O objetivo passou por discutir sobre como é que a cidadania participativa pode e deve ser operacionalizada e que resultados tem trazido como benefício societal. Tornou-se evidente que o tema da cidadania participativa deve ser cada vez mais tido em linha de conta no que diz respeito à criação de políticas e ao desenvolvimento de projetos comunitários, bem como já existem identificados erros frequentes no que toca a desenvolver métodos de cidadania participativa, sendo que estes podem (e devem) ser evitados. Fórmula mágica ainda não existe, mas muito caminho já foi trilhado até aos dias de hoje. Prova disso mesmo é um projeto que destacamos na área da Inovação, apoiado pelo Horizonte Europa, e que coloca os cidadãos europeus a pensar e decidir sobre o Pacto Ecológico Europeu (PEE). Chama-se «PHOENIX», acrónimo de Participation in HOlistic ENvironmental/Ecological Innovations e fizemos já uma entrevista ao seu coordenador, o investigador Giovanni Allegretti, que pode ser ouvida aqui.

Cidadania Participativa: erros a evitar

Um dos convidados da sessão, Carlos Baía, vereador com o pelouro do Orçamento Participativo e das Políticas Participativas na câmara municipal de Faro, frisou que existe uma “crise de cidadania”, que é notória com a fraca adesão em eventos como as eleições e sessões autárquicas de diversa índole. Contudo, o autarca admite que a causa para a fraca participação pode residir também no método que é utilizado, considerando que é necessário reinventar medidas para promover uma maior participação cidadã, pois não tem dúvidas que “quando as pessoas se envolvem e vêem a mudança acontecer sentem-se mais empoderados”.

Por seu turno, Aquiles Marreiros, coordenador  Órgão do de Acompanhamento das Dinâmicas Regionais da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, sublinhou que a sua experiência demonstra que as frustrações por que passou em vários momentos de cidadania participativa são mais que muitas e que o ajudaram a reforçar a convicção que é preciso continuar a lutar por práticas cada vez mais inclusivas da participação cidadã . O responsável pela estratégia Algarve 2030 recorda que esta foi desenhada através de uma “consulta muito forte dos cidadãos e cidadãs da região que pensaram não apenas na sua cidade ou vila, mas foram levados a pensar sobre as questões estruturais, demonstrando grande empatia pelas zonas mais deprimidas, nomeadamente, e colaborando na construção de ideias para enfrentar os problemas”.

O futuro da cidadania participativa reside nos jovens

Luís Serra Coelho, professor de Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, confessou que deposita a esperança de uma mudança real através dos jovens com quem lida todos os dias em contexto de sala de aula. Foi enfático ao afirmar que da geração dos pais não espera nada, da sua muito pouco e da geração dos jovens espera tudo. Todavia, teme o paradoxo da existência humana, e apesar de reconhecer nos jovens uma preocupação muito importante quanto a questões prementes, como são as ambientais, considera que existe um travão na sua ação de compromisso e de luta. “Trata-se de uma geração muito mimada, muito pouco capaz de manter compromisso, de ir à luta”. Contudo, culpa a sua geração e a anterior por isso: “Não fizemos o suficiente para os que os nossos jovens tenham a capacidade de resolver estes problemas”, alertando que o foco é “capacitar as novas gerações”.

Processos de Participação: Orçamentos Participativos estão subaproveitados

Nelson Dias, da Associação OFICINA, especializada nas áreas de planeamento, de avaliação e da promoção da cidadania participativa foi claro ao explicar que os Orçamentos Participativos são uma grande mais-valia, contudo estão a ser muitas vezes desvirtuados. O especialista na matéria encarou de frente os erros mais comuns, dentre eles a falta de capacidade técnica na administração pública para levar a cabo este tipo de processos o que leva a que essa administração adapte os orçamentos ao invés de se adaptar ela aos orçamentos e ao seu pressuposto.

“Mudou-se muito os OP’s [Orçamentos Participativos ] para não mexer na estrutura da administração pública, e por isso muitos dos Orçamentos Participativos não passaram da primeira edição”, afirmou. Sob o olhar atento de oradores e assistência perante uma verdadeira lição sobre a matéria, o consultor elencou, desde logo seis medidas que é preciso implementar para que ferramentas de participação como o Orçamento Participativo sejam bem sucedidos: aposta na capacitação dos seus técnicos, aumentar a verba alocada (muitos dos Orçamentos Participativos em Portugal têm alocados menos de 1% dos orçamentos municipais), reforçar a construção coletiva e presencial ao invés da migração dos Orçamentos Participativos para o Digital, comunicação disruptiva para chegar mais rápido e facilmente aos cidadãos e o último desafio e medida a colocar em prática é societal. “O Orçamento Participativo foi um passo importante para tornar os municípios mais participativos”, alertando Nelson Dias para a necessidade de um maior investimento no sistema democrático e capacitação dos cidadãos para a esfera da cidadania participativa.

Horizonte Europa é o programa «gigante» da União Europeia que tem um cluster dedicado aos cidadãos

Na sessão esteve presente o ponto de contacto do programa «Horizonte Europa». Natália Dias fez questão de salientar que o programa tem um cluster dedicado a projetos que trabalhem tópicos como o cidadão e a participação coletiva. “O Horizonte Europa é o maior mecanismo de orçamento com 95 mil milhões de euros para serem executados em sete 7 anos e com um financiamento, por norma, a 100%”. Mostrando-se disponível para ajudar as associações e apoiar na construção das candidaturas, Natália Dias testemunhou o caso do projeto «PHOENIX – Ouvindo as Vozes Cidadãs por uma Europa Mais Verde» [ver acima], cujo grande objetivo passa por criar um conjunto de ações para a reflexão e deliberação dos cidadãos acerca do pacto Ecológico Europeu. São 15 entidades de 10 países da Europa (incluindo Portugal, onde a associação OFICINA lidera o processo) para um orçamento de cerca de 5 milhões de euros até 2027.

Cidadãos vulneráveis têm de ter plataforma de compaixão para tornar esta sociedade melhor

A Cruz Vermelha Portuguesa esteve representada por Vítor Alua, coordenador do projeto «Viver ComPaixão» da delegação Faro-Loulé. Esta entidade é um exemplo paradigmático da ajuda à população mais vulnerável e quer evoluir e construir uma sociedade ainda mais solidária. Trata-se da primeira comunidade compassiva no Algarve”, explicou o seu coordenador que explicou que o Movimento nasceu em OTARO (Canadá) para fazer o acompanhamento das pessoas em fim de vida em cuidados paliativos. A necessidade de criar uma sociedade com maior compaixão e empatia em relações a situações de doença, morte e luto é urgente e este “projeto vai iniciar este ano em Março, sendo que está a ser construído com a premissa de ouvir quem está do outro lado para depois construir a sua proposta de atuação”. Ou seja, em vista está a criação de uma comunidade compassiva que esbata fronteiras entre entidades e que assuma uma atuação com seminários; ações de rua; arte; cultura; dança. A grande proximidade ao cidadão é, por isso, fundamental e todos vão ser chamados a atuar.

Estratégia Regional 2030, Habitação, Fundos e novas abordagens dominaram atenções

Ainda na esfera do painel houve temas que estiveram sempre em destaque. Aquiles Marreiros falou da inovação em que se constitui o desenho e construção da Estratégia Regional Algarve 2030 pela metodologia utilizada que levou à partilha, bem como pelo retorno imediato dado aos contributos feitos pelos participantes. Carlos Baía assumiu que a população está a atravessar diversas crises sociais e que expressam ambições por projetos que ultrapassam o valor afeto ao Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Faro. Luís Coelho frisou que vivemos numa Economia de escassos recursos que que a rapidez dos dias não ajudam a sociedade que é cada vez mais material e com uma amplitude que acentua o fosso social entre os ricos e os pobres, dificultando que singrem assim os modelos de participação.

A cidadania participativa precisa ser acarinhada

A manhã já ia avançada quando o público interveio, contudo foi uma hora e meia a partir da intervenção da assistência que trouxe questões individuais que interessaram a todos. Desde a necessidade de haver maior alocação de verbas aos orçamentos participativos até à maior democratização dos fundos comunitários. Por outro lado, uma questão que foi unânime entre assistência e painel foi a necessidade de maior partilha de poderes entre os cidadãos e os decisores políticos. Quem trabalha com minorias reconhece que estas estão muito mais informadas e ativas na cidadania e na luta pelos seus direitos sociais, mas garante que nem todos estamos disponíveis para lidar com essas minorias. Os jovens presentes na sala e que participaram na auscultação feita pela Contextos no âmbito do Community Driving Change (alunos de Educação Social da Universidade do Algarve) reivindicam que é preciso serem mais escutados e ouvidos, bem como apoiados pelos mais séniores para se sentirem mais capacitados e empoderados. A educação não-formal foi identificado como um método de potencial sucesso para agregar uma maior participação. O medo também foi salientado nesta sessão, sendo que também se disse que o medo de falar e de participar só se quebra criando quórum e levar à mudança. A participação cidadã é, assim, um processo de conquista.

Fotografias: Anja Kloss (CONTEXTOS)

Os jovens estiveram presentes na sessão e manifestaram a sua vontade em se sentirem mais incluídos nas ações de participação

Plataformas de cidadãos falaram das dificuldades no que diz respeito à mobilização


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