“Direitos Humanos, Cooperação e União Europeia fazem falta ao Ensino”. O alerta do antigo embaixador Miguel Amado

Abril 6, 2022

O antigo embaixador Miguel Amado esteve no Algarve a convite do Centro Europe Direct do Algarve. E em Dia de Celebração dos Direitos Humanos, 10 de Dezembro, abordou no auditório da Biblioteca Municipal de Faro o tema «Europa e os Direitos Humanos». Da sua experiência contou-nos sobre o trabalho desenvolvido em quatro Delegações da União Europeia (UE) como embaixador e no primeiro país, Madagáscar, como conselheiro. O trabalho de cooperação levou-o ao urundi, Guiné-Bissau, República Dominicana, exercendo as suas funções também em Cuba e Congo Brazaville. Por aqui ficou dois anos e acabou por sair para a reforma como uma persona non grata devido ao facto de ter exercido a sua função diplomática com uma rectidão que não caiu bem no alto poder político daquele país. “Não gostavam que metesse o dedo na ferida, mas não era possível, nem era desejável, passar ao lado de tantos problemas”, recorda o antigo embaixador que “mantinha diálogos constantes com as autoridades sobre questões dos direitos humanos, corrupção ou orçamentos excessivos para a Defesa”. Miguel Amado trabalhou ainda na sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, de 2004 a 2008, como Chefe de Unidade de Assuntos Temáticos, Democracia e Direitos do Homem. Em 2006/2007 foi enviado especial do Presidente Barroso (e depois da Comissão Europeia) para Timor-Leste em cinco missões, com o objetivo de dialogar com as autoridades locais, com vista a ajudar a restabelecer a paz, o respeito pela Constituição, reforçar a cooperação com a UE e preparar a abertura de uma delegação da UE no país, regressando definitivamente a Portugal em 2010. Na sua conferência o antigo embaixador alertou que o Ensino deveria integrar uma disciplina sobre Direitos Humanos, União Europeia e Cooperação de modo a preparar melhor os jovens para temas tão estruturantes. A mensagem que deixou sublinha que todo o trabalho de diplomacia deve ser feito com a verdade e a vontade de contribuir para melhorar a qualidade de vida das populações dos países pobres. Foram muitos os ensinamentos, não apenas técnicos, mas, sobretudo, humanos que ganhou ao longo da sua vida profissional de diálogo e cooperação.

Ainda há muito trabalho pela frente para fazer cumprir os Direitos Humanos

A mesa-redonda que se proporcionou a seguir à partilha de experiências de Miguel Amado foi protagonizada por diferentes especialistas na área dos Direitos Humanos. Marta Lima da «Out of the Box Europe» falou-nos de direitos humanos no contexto de trabalho, sobretudo no meio empresarial à luz da sua larga experiência como consultora e formadora. Seguindo o mote do desafio lançado pela Secretária de Estado para a Igualdade e pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, no passado 25 de Novembro, focou a importância do envolvimento das entidades empregadoras na promoção da Igualdade de Género e dos Direitos Humanos num contexto de trabalho.

Joana Cunha da ECOS — Cooperativa de Educação, Cooperação e Desenvolvimento, CRL partilhou a experiência em que a entidade se vê envolvida em projetos internacionais tão díspares como a Integração dos jovens da Martinique francesa no mercado de trabalho ou integração de crianças ciganas do Algarve na escola. “Acima de tudo trabalhar para melhorar a vida dos jovens, perseguir a oportunidade de igualdades”, traduziu Joana Cunha.

Da parte de Joelma Almeida do Núcleo de Apoio à Integração de Refugiadoa (NAIR) do Alto Comissariado para as Migrações (ACM) foi importante perceber a discrepância que existe entre aquilo que está estipulado e a realidade. “As metas não têm sido cumpridas, ainda há muitas arestas para limar e esse é um grande desafio pela frente”. Joelma relatou a existência de dificuldades de diálogo entre as entidades competentes e o quanto essa realidade é penalizadora para a real integração dos refugiados. Para complementar a partilha de Joelma A., duas técnicas do projecto «Loulé Sem Fronteiras» contaram que têm em mãos o acompanhamento de uma família de refugiados cuja a sua chegada foi no mínimo atribulada. “Quando fomos contactados para accionarmos o nosso trabalho de acolhimento desta família deparamo-nos com uma habitação sem as condições condignas para ali se fixarem”. As técnicas não esconderam o constrangimento que sentiram por não verem garantidas as condições necessárias para um casal e dois filhos em idade escolar. “Mesmo perante as dificuldades a família síria decidiu ficar e os seus membros trataram de colocar a casa completamente habitável em apenas um fim-de-semana”. A grande dificuldade, nestas circunstâncias, é o idioma. Os filhos já andam à escola, mas à data da conferência ainda se mostrava muito difícil encontrar trabalho quer para o pai quer para a mãe. “Acreditamos que ainda há muito trabalho pela frente para ser feito de modo a conseguirmos honrar os compromissos de integração de refugiados”, rematou Joelma. É de recordar que agora Faro também acolhe uma delegação do NAIR.

Da parte da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, Paula Gregório, delegada de saúde de Faro, explicou a importância de se trabalhar num modelo biopsicossocial quando a premissa passa por assegurar um plano nacional de saúde com objetivos de paz, parceiros, prosperidade, envolvendo as pessoas. O Estendal «Direitos das Crianças» é um projeto da equipa de saúde escolar que pretende chamar a atenção para a verdadeira necessidade de fazer cumprir esses direitos na sua plenitude. A Biblioteca Municipal de Faro acolheu sob o pretexto desta conferência a exposição «30º aniversário da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças» da responsabilidade da ARS algarve- ACES Central.

A fechar as considerações nesta mesa redonda, Luís Villas-Boas, diretor do Refúgio Aboim Ascensão, e criador do Sistema de Emergência Infantilem Portugal sublinhou que “nesta Europa dividida os direitos humanos só serão cumpridos se os direitos das crianças forem exercidos”. Este psicólogo com mais de três décadas de experiência na área do «Superior Interesse da Criança» recordou as inúmeras dificuldades por que tem passado ao longo do seu percurso enquanto diretor do Refúgio Aboim Ascensão, mas garante que “tudo vale a pena em prol das crianças que não pediram para ser alvo das mais diferentes violências da vida”.

Quadro Estratégico da União Europeia para os Direitos Humanos

Em 2012, o Conselho Europeu adotou um Quadro Estratégico da União Europeia (UE) para os Direitos Humanos e a Democracia, acompanhado de um plano de ação para a respetiva aplicação, onde são enunciadas as prioridades, os princípios e os objetivos para melhorar a eficácia e a coerência da política da UE na próxima década. Destes princípios faz parte a inclusão dos direitos humanos em todas as políticas da UE (enquanto fio condutor), designadamente, sempre que se registe sobreposição entre políticas internas e externas, bem como a adoção de uma abordagem devidamente adaptada. O plano de ação previa medidas concretas para o período que terminou em 31 de dezembro de 2014.

Em julho de 2015, foi adotado um novo plano de ação para o período 2015–2019, com base na avaliação do primeiro e pautado pela orientação política da Vice-Presidente / Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP-AR). As diretrizes da UE em matéria de direitos humanos adotadas pelo Conselho, embora não sejam juridicamente vinculativas, facultam orientações de caráter prático às representações da UE no mundo. (v. Fichas técnicas sobre a União Europeia — 2019: www.europarl.europa.eu/factsheets/pt

Associando-se a esta efeméride, o Parlamento Europeu fez a entrega a 18 de dezembro do Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2019 a Ilham Tohti, um economista que luta pelos direitos da minoria uigure na China.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) constitui um marco na proteção internacional a pessoas que procuram refúgio fora do país de que são nacionais. No seu artigo 14º, universaliza-se o princípio, até então reservado a casos específicos, de que toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países, exceto em caso de ser alvo de processo por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas. Este direito foi subsequentemente consagrado e reforçado em diversos instrumentos multilaterais internacionais (e.g. Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto de Refugiados, 1951 e o seu Protocolo Opcional, 1967) e regionais (Convenção Americana dos Direitos Humanos 1969, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 2016).
Transcorrido mais de meio século após a adoção da DUDH, não se pode ignorar a crescente relevância do direito ao asilo nas agendas dos organismos multilaterais e em fora díspares (internacionais, regionais e nacionais). O elevado número de refugiados e requerentes de asilo e a sua iníqua distribuição geográfica tem reclamado uma maior solidariedade internacional. Neste contexto, a transferência de um primeiro país de asilo para um novo país de acolhimento (reinstalação) é propugnada como uma das soluções duradouras para promover a partilha da responsabilidade no sistema de proteção internacional.

O Centro Europe Direct Algarve é um organismo de informação europeia hospedado na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.

Artigo publicado, originalmente, na plataforma Medium em Janeiro de 2020


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