O Relatório que sugere as regras em que deve ser atribuído o selo biológico para o sal alimentar no seio da União Europeia propõe que todos os tipos de sal, mesmo os processados industrialmente e os não amigos do ambiente, sejam contemplados com o rótulo, ignorando as recomendações dos seus próprios especialistas. Os produtores de sal artesanal tradicional estão contra esta nova regulamentação, considerando uma séria falha na proteção dos consumidores e uma ameaça à sobrevivência da salicultura tradicional , e pedem uma posição urgente do Governo português para alteração desta proposta de regulamentação.
A Comissão Europeia publicou em Agosto um relatório de um grupo de peritos em produção biológica contendo a sua proposta sobre que sal deve ser considerado biológico e atribuído o respetivo selo. Até ao momento o sal não era considerado passível de certificação biológica. Este documento tem uma visão muito liberal, sugerindo que praticamente todos os tipos de sal possam beneficiar do rótulo BIO da União Europeia (UE), o que preocupa seriamente os produtores de sal artesanal europeus, que se querem fazer ouvir de modo a reverter essa possibilidade. O relatório em causa ignorou a posição da maioria dos especialistas em sal que foram consultados pela Comissão Europeia para o efeito. Estes foram contratados por concurso público internacional, um grupo de quatro peritos em sal, para auxiliar neste processo os especialistas para assessoria técnica em produção orgânica [EGTOP] da Comissão Europeia. Três dos peritos (uma espanhola, um francês e uma austríaca) foram perentórios em afirmar que o sal extraído de mina e o produzido industrialmente em vácuo (vacuum salt) não têm condições, face aos seus métodos de produção, para receberem o selo de produto biológico, mas o quarto especialista, alemão, sugeriu, precisamente, o contrário. No entanto, o relatório, apresentado em Julho de 2021, demonstra que apenas se teve em conta a posição do especialista alemão, tendo este sido já discutido com representantes dos Estados Membros durante uma reunião do Comitê de Produção Orgânica (COP). Nesta reunião Portugal simplesmente não se pronunciou, mostrando-se alheado da problemática, ao contrário de França que vincou uma posição mais dura e realista, alertando que vários métodos propostos pelo relatório EGTOP não estão em conformidade com as regras do sal orgânico, e da Espanha e Alemanha que solicitaram nova reunião para debate. A Comissão Europeia concordou em discutir o sal biológico com mais profundidade na próxima reunião da COP que está agendada para 28 de outubro, e onde vão ser provavelmente concluídas as diretrizes sobre o sal biológico. Face ao perigo eminente de qualquer sal poder ser considerado biológico no seio da União Europeia os produtores de sal artesanal tradicional em Espanha, França e Portugal estão mobilizados contra aquilo que consideram ser a «total subversão do conceito de sal biológico» em favorecimento dos interesses económicos do sal industrial e pedem o apoio urgente dos Governos dos seus países para se mobilizarem a par desta causa de modo a evitarem o «atentado ao futuro dos produtos biológicos».
Especialista em Sal denuncia cedência “clara e perigosa aos interesses económicos do sal industrial de mina e de vácuo”
Andrea Siebert, administradora da empresa «Marisol Sea Salt» que comercializa a partir de Olhão, no Algarve, sal marinho do Atlântico e Flor de Sal, integrou o grupo restrito de quatro peritos que aconselhou o EGTOP da Comissão Europeia. A empresária testemunhou aquilo que considera ser uma cedência clara e perigosa por parte da Comissão Europeia face aos interesses económicos do sal industrial de minas e de vácuo. Entre os maiores produtores mundiais de sal industrial estão multinacionais europeias, muito ativas na defesa dos seus interesses junto da Comissão Europeia. Garante que as suas recomendações, a par dos colegas francês e espanhol, vão contra as recomendações que constam agora no relatório que vai servir de base para a regulamentação de atribuição do selo biológico. “A certa altura do processo o colega especialista alemão abandonou o trabalho do grupo. E enquanto os três apresentámos uma proposta conjunta, ele optou por apresentar apenas a sua que considera que também o sal de mina e de vácuo deve ser contemplado com o rótulo biológico, além de permitir praticamente todos os processos posteriores de tratamento industrial e adição de químicos ao sal, tudo técnicas pouco amigas do ambiente e não sustentáveis, sendo de sentido oposto aos objetivos definidos para o Regulamento Europeu de produtos biológicos”. A derradeira esperança de todos os produtores de sal artesanal tradicional é a próxima reunião de dia 28 de Outubro, em Bruxelas. “O relatório está feito, mas acreditamos que é possível reverter a situação se Portugal se juntar aos outros países que estão a levantar a voz contra a subversão do conceito biológico”, defende Andrea S. que à semelhança dos seus homólogos de Espanha e França, alerta, também, que o que está em causa “é o futuro económico e ecológico da produção de sal, comprometendo, desde logo, o caminho verde que a União Europeia diz estar empenhada em incrementar”.
Federação Europeia de produtores de sal marinho colhido à mão contesta documento
Para a Federação Europeia de Produtores de Sal Marinho Colhido à Mão, o conteúdo do relatório da EGTOP “é extremamente preocupante, uma vez que a Comissão Europeia está a preparar-se para tornar elegíveis para o rótulo biológico praticamente todos os métodos de produção de sal existentes, incluindo os menos amigos do ambiente, como o sal de minas e o sal de vácuo”. Considerando que “esta proposta iria claramente contra os objetivos e princípios do Regulamento da UE n.º 848/2018 sobre a produção biológica”. O que se mostra comprometedor para a “credibilidade da política de agricultura biológica da UE e iria contra os objectivos definidos pela CE no seu ambicioso Acordo Verde Europeu para uma utilização mais sustentável dos recursos”.
Associação Espanhola de Produtores conta com apoio do Governo para reverter situação
Também a SALIMAR, representando a quase totalidade dos produtores de sal marinho em Espanha, contesta de forma veemente o documento, contando para tal com o apoio do governo espanhol. Considera que a definição de sal biológico deveria ser a de sal marinho produzido exclusivamente por evaporação ao sol e com tratamentos posteriores à recolha mínimos e muito controlados.
Governo português não contesta, não defendendo os produtores portugueses de sal artesanal tradicional
Luís Horta Correia, presidente da «Terras de Sal» – Cooperativa dos produtores de sal tradicional de Castro Marim – considera que os produtores portugueses “sentem-se sozinhos nesta e noutras lutas que têm vindo a travar internacionalmente para proteção do sal português, nomeadamente do sal marinho tradicional e da Flor de Sal”. E continua, contextualizando, que “apesar de receber todos os nossos alertas, saber das nossas démarches internacionais e de dizer entender os problemas, o Governo não age – nem reage – internacionalmente!”. Na realidade, sendo Portugal um país líder europeu na produção de Flor de Sal (juntamente com a França), com saber e condições ímpares a nível internacional para produção de sal alimentar de alta qualidade, não existe na estrutura do Governo português desde há muitos anos, qualquer serviço, instituto ou departamento com recursos, conhecimento e responsabilidade efetiva sobre a salicultura. “A nossa tutela salta de ministério para ministério com o tempo! Sentimo-nos assim sozinhos nesta luta de afirmação internacional deste nosso produto de excelência. O exemplo do sal biológico é mais uma destas situações, representando uma ameaça grave ao nosso mercado internacional e um sério embuste ao consumidor biológico”, denuncia Luís H. Correia.
Produção de sal tradicional em Portugal está em risco
De acordo com os dados disponíveis, o mercado dos consumidores biológicos representa talvez a maior fatia de vendas do sal marinho tradicional português. “A entrada de qualquer tipo de sal neste mercado levaria a uma enorme redução da qualidade deste sal e à entrada de enormes volumes de sal produzido industrialmente a baixo preço, levando à impossibilidade de sustentar o emprego necessário à produção de sal artesanal e ao provável abandono da atividade por muitos produtores. Além de sacrificar todo o investimento e aposta no futuro que tem vindo a ser efetuada pelos produ\tores artesanais, esperando-se que a curto prazo o sal português seja considerado cada vez mais no mercado internacional como sal de exceção, possibilitando a reativação de todas as nossas salinas e garantindo a preservação deste nosso saber secular”, elucida o presidente da Cooperativa «Terras de Sal». Este responsável pede ao Governo português “que tome uma posição forte nas reuniões internacionais sobre sal, particularmente nesta próxima reunião de dia 28 de Outubro, e que assuma internacionalmente em todos os fóruns a posição de liderança que Portugal tem na produção de sal alimentar de qualidade. Desta forma apoiará realmente os salicultores portugueses e o rejuvenescimento e crescimento desta atividade em Portugal”.
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