Jaime da Costa Lopes: o militar que datilografou o livro «Portugal e o Futuro» do general Spínola

Abril 22, 2024
A ditadura vivida em Portugal no século XX em constituiu-se num enorme muro erguido pelo nacionalista António de Oliveira Salazar, tendo durado entre 1933 e 1974. O regime salazarista caiu após o sacrifício de milhares de pessoas, entre elas os militares que eram obrigados a lutar numa guerra colonial ultramarina que destruiu as famílias na, então, metrópole, e as populações nas antigas colónias ultramarinas. Portugal estava cansado de uma ofensiva que para muitos estava perdida e não fazia sentido. O facto do mais importante e influente general da altura o ter afirmado no seu livro «Portugal e o Futuro» foi considerado o empurrão que os capitães de Abril precisavam para levar a cabo o golpe que derrubaria o Estado Novo. Temos a história do militar a quem coube datilografar à maquina de escrever o manuscrito de Spínola. Chama-se Jaime da Costa Lopes, vive na margem sul da Grande Lisboa e conta-nos sobre a tarefa dada pelas mãos do próprio Spínola no ano de 1971, na altura governador da Guiné-Bissau. Considerado a bíblia dos militares de Abril, «Portugal e o Futuro» foi lançado no dia 22 de Fevereiro de 1974, tendo esgotado em dois meses as suas cinco edições. Escrever esta história no nosso projeto é, para além de uma oportunidade, uma demonstração do poder que vem a partir da vontade do povo. Foi há 50 anos e ainda temos tanto para fazer! Não é tempo (como nunca será) de cruzar braços e delegar nos outros a força que é a nossa.

 

 

No ano de 1971, Jaime da Costa Lopes tinha 25 anos e estava em África onde se encontrava ao serviço do Comando-chefe das Forças Armadas na antiga colónia portuguesa da Guiné-Bissau. Na capital, cidade de Bissau, passava os dias a executar as suas funções a partir do quartel da Amura. Mas (há sempre um mas!) um certo fim-de-semana foi chamado ao palácio do Governador António de Spínola. Não imaginava que viria a ser recebido naquele dia pelo próprio general e, por isso, avançou para o palácio com a farda dos dias comuns de serviço em que o corpete e os calções se mostravam bem mais confortáveis para enfrentar o calor daquelas terras quentes. Quando chegou à residência oficial do governador foi recebido pelo próprio Spínola, e perante este, sentiu-se envergonhado pelo ar mais informal que envergava e pediu “desculpa por não estar a usar a sua farda de gala”. António de Spínola, por detrás do seu famoso monóculo – que lhe conferia um ar enigmático – deu ordens ao jovem militar para que datilografasse um “documento”. Acatando, Jaime C. Lopes recebeu o “tal documento” e iniciou a sua nova tarefa em terras bissaenses. Para tal foi-lhe disponibilizada uma máquina de escrever «de ponta» para que desses azo à sua destreza com os dedos nas teclas que conhecia de cor.

Jaime da Costa Lopes, o militar que datilografou o livro «Portugal e o Futuro» aos 25 anos na cidade de Bissau

Em mês e meio passou de manuscrito a máquina do livro que daria o empurrão aos militares de Abril

Não foi necessário «bater à máquina» muitas das folhas manuscritas para que Jaime entendesse o elevado grau de secretismo em que um documento daquela natureza teria de estar preservado até que fosse a hora certa de o publicar. No total, o jovem militar apenas precisou de mês e meio para dar mais corpo ao livro que passava assim de um manuscrito para um conjunto de folhas encadeadas por um pensamento novo e de motriz de mudança que viria a ser empurrão para a força revolucionária dos capitães de Abril.

Recordemos que o livro «Portugal e o Futuro» traçava para as antigas colónias ultramarinas uma solução política de estilo federalista, o que destoava totalmente da visão militar que caracterizava a ditadura de Marcelo Caetano. O livro escrito pelo general mais prestigiado, mais conhecido e mais poderoso daquele tempo exprimia a ideia de que a guerra colonial estava perdida o que ia totalmente de encontro a um Portugal cansado da guerra em África, para onde iam matar e morrer milhares de jovens militares portugueses.Segundo a investigação encetada por Pedro Marquês de Sousa, doutorado em História pela Universidade Nova de Lisboa, e tenente-coronel do Exército português terão morrido na guerra colonial ultramarina cerca de 10 mil militares portugueses e 45 mil civis e agentes de movimentos independentistas.

General Spínola com o seu livro «Portugal e o Futuro», publicado a 22 de Fevereiro de 1974

Portugal e o Futuro escapou ao crivo da censura do Estado Novo

A publicação do livro «Portugal e Futuro» a 22 de Fevereiro de 1974 escapou ao crivo da censura e valeu a demissão de Spínola e deu o arranque definitivo ao Movimento das Forças Armadas (MFA) que levaram a cabo a «Revolução dos Cravos». Esgota cinco edições em apenas dois meses e tem eco na imprensa internacional. Para muitos, torna-se a bíblia dos militares hesitantes, bem como a bíblia dos militares capitães.

Jaime da Costa Lopes é também poeta em vésperas de publicar o seu oitavo livro

O comandante na reforma é autor de oito livros de poesia

Jaime da C. Lopes é poeta em vésperas de publicar o seu oitavo livro. Recorda que começou a publicar há cerca de 30 anos e muito pelo estímulo dado pelo seu vizinho; o professor, ensaísta, jornalista e combatente anti-fascista Alexandre Castanheira. Jaime C. Lopes tem raízes da serra do Açôr, terra que teve de abandonar para rumar até em Lisboa onde aos 16 anos ingressou na Marinha Portuguesa. A sua poesia fala-nos da terra, da pastorícia, da família, do amor e, claro está, do tanto mar que conheceu. Convido-vos a ouvir esta entrevista que começa e termina com a história verdadeira de quem teve a “grande honra” de datilografar o livro «Portugal e o Futuro» de António Spínola, mas onde em permeio temos uma história de sensibilidade e mundo. No sofá da sua casa, onde realizámos esta entrevista, mostra-nos como a experiência nos ensina a não ficarmos colados às histórias e às glórias, mas sim a valorizarmos a vida que a vida nos permite viver. É o modelo redondo da existência humana que subsiste entre ciclos.

Nota da autora: «Esta entrevista acontece hoje porque teria eu pouco mais de 10 anos quando ouvi pela primeira vez Jaime da Costa Lopes – meu tio com quem vivi 14 anos – contar, certamente por altura de mais uma celebração do nosso «25 de Abril», que tinha sido ele a datilografar o livro de António de Spínola «Portugal e o Futuro». Uma imagem que me acompanhou sempre o imaginário de Abril e de todo o processo revolucionário. Ao comemorarmos os 50 anos da «Revolução dos Cravos» não poderia ter melhor forma de trazer esta história à estampa e celebrar uma data tão importante!» 


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