Luísa Schmidt: «Seria um avanço civilizacional os territórios da Eurorregião AAA co-criarem soluções para problemas comuns como a Desertificação»

Abril 3, 2024

Luísa Schmidt, socióloga, é investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, coordenadora do Observa e membro do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS). A especialista, em entrevista ao MUROS, afirma que o modelo de desenvolvimento para combater o despovoamento e a desertificação das zonas de baixa densidade, nomeadamente o Interior do país, tem de passar cada vez mais [e definitivamente] pelo localismo, ou seja, pela capacidade dos municípios, através das comunidades intermunicipais, se juntarem e construírem modelos e desafios para atrair população a par da criação de serviços necessários à qualidade de vida. “Não se trata de uma utopia, até porque se pensarmos no tempo de pandemia [Covid-19] registou-se uma mudança de mentalidade e de comportamento das pessoas em relação ao Interior”. A socióloga, investigadora e comunicadora [leia-se, também ativista] pelas questões do ambiente e alterações climáticas tem décadas de trabalho de influência em prol do desenho de melhores políticas públicas ambientais em Portugal e sublinha que será sempre através de uma educação ambiental que as boas práticas terão lugar, desde logo no seio da sociedade civil. Aproveitámos a sua presença em Faro, no âmbito de uma comunicação que fez no 17.º aniversário da Tertúlia Farense, para entrevistar esta especialista sobre a importância das eurorregiões como espaço de construção de soluções para problemas comuns. Tivemos, ainda,a oportunidade de questionar sobre o impacto ambiental das explorações mineiras, lembrando a recente intenção de exploração de minérios na costa de Castro Marim e Alcoutim, junto à raia com Espanha. 

Oiça a entrevista com Luísa schmidt na íntegra no nosso canal de podcast:

Faz parte da equipa que introduziu a Sociologia do Ambiente em Portugal, tanto na investigação, como no ensino, como na articulação entre academia e sociedade. Coordena o «OBSERVA – Observatório de Ambiente, Território e Sociedade» [do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa], que promove a disseminação de informação sobre a componente social das questões ambientais e do território. Luísa Schmidt está, igualmente, a desenvolver o projeto «ODS Local» – uma plataforma municipal dos objetivos do Desenvolvimento Sustentável, sendo que em foco estão agora as regiões transfronteriças de norte a sul da península ibérica. “Queremos saber junto das entidades e comunidades locais nestas zonas quais as visões que têm de futuro”.

Luísa Schmidt está a desenvolver o «ODS Local»; uma plataforma municipal dos objetivos do Desenvolvimento Sustentável, sendo que em foco estão agora as regiões transfronteriças de norte a sul da península ibérica

Luísa Schmidt não tem dúvidas em destacar importância da cooperação transfronteiriça e das eurorregiões para o desenvolvimento das melhores práticas. “Sabemos que do ponto de vista político é muito mais difícil [a cooperação], mas no combate à desertificação e no que diz respeito à gestão do rio Guadiana que é comum”, a investigadora considera que deveria ter um papel fundamental. “Seria um avanço civilizacional conseguir pôr essas três regiões [Alentejo, Algarve e Andaluzia] a co-criar soluções para problemas comuns como é o caso da desertificação”. Luísa Schmidt realçou, também, a importância de partilha de boas práticas, lembrando que Espanha teve políticas de interioridade e valorização do interior que Portugal não teve.

Luísa Schmidt defende que os grandes projetos mineiros, que são intrusivos nos territórios, têm de ser realizados num franco diálogo com a população

(VÍDEO) Exploração mineira: «É necessário acabar com os passivos das minas e qualquer projeto mais intrusivo tem de passar por um acordo com a população»

A empresa Emisurmin Unipessoal Lda, requereu os direitos de prospecção e pesquisa de «depósitos minerais de ouro, prata, cobre, chumbo, zinco e minérios associados» nos concelhos de Alcoutim e Castro Marim numa área de 494 quilómetros quadrados, nas Freguesias de Alcoutim e Pereiro, de Martim Longo e de Vaqueiros (Alcoutim) e de Azinhal e Odeleite (Castro Marim). Questionámos Luísa Schmidt sobre como encara a indústria mineira em Portugal, tendo a socióloga respondido de forma peremtória que “tudo o que tem que ver com grandes projetos que são intrusivos tem mesmo de se dialogar com a população”. A investigadora sublinha que “há uma questão gravíssima em Portugal que os vários executivos já deviam ter resolvido e que é os passivos ambientais; que as minas ao longo dos anos foram deixando no país”. Lembrou que em Portugal desde o século XX “não teve cuidado nenhum no que foi a exploração mineira”. Por essa razão diz que é preciso fazer “um esforço grande para acabar com os passivos; e no que respeita a minas novas tem de haver todos os cuidados possíveis e imaginários: cuidados ambientais ultraregulados, envolver bem a população sobre as vantagens e desvantagens para haver acordo ou não sobre a atividade”, enumera.

Luísa Schmidt rematou, falando sobre a “importância fundamental» dos movimentos que nascem da sociedade civil para a defesa das mais diferentes causas, dentre elas a ambiental. Recorde-se que depois de conhecida intenção de ser levada a cabo uma exploração mineira na serra de Castro Marim e Alcoutim foi criado o MOSANA-Movimento de Salvaguarda do Nordeste Algarvio. Este movimento tem realizado uma forte oposição à exploração e extracção de minério que consideram “representar ameaças ambientais, sociais e culturais significativas que superam em muito quaisquer benefícios económicos daí decorrentes”.

Agradecimentos: Esta entrevista teve o apoio à produção da Tertúlia Farense. 

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