A violência impede-nos de chegar ao «Futuro», que permanece na grandeza de uma sala de espera

Outubro 13, 2023

O ser humano é, de facto, impressionante na capacidade de se adaptar às circunstâncias; mesmo às mais severas. Desse ponto de vista podemos pensar que essa adaptação decorre de um instinto de sobrevivência, mas também de uma inteligência que nos caracteriza e que nos dá uma mais-valia enquanto Ser. Apesar de escrever num tempo descrito tantas vezes como «particularmente difícil», a minha consciência vai-me dizendo que em toda a humanidade foram acontecendo tempos particularmente difíceis. Retraio-me, por isso, em considerar que estamos agora a enfrentar as dificuldades maiores de sempre perante a nossa circunstância. Consigo imaginar que o sofrimento que veio antes de nós possa ter sido para quem o viveu, igualmente ou mais difícil que este. Na dúvida prefiro pensar que sim. Por outro lado, a convicção que tenho é a de que gostaria de, pelo menos, poder explicar às pessoas mais novas que temos aprendido com a História e com os erros do Passado que está lá atrás. De explicar também que o mundo dá provas que é composto por seres humanos cada vez mais evoluídos e que estamos a caminhar para um Planeta cada vez mais sustentável, igualitário e em paz. Mas não posso, não podemos. No preciso momento em que escrevo e leio o que escrevo – e em que escuto e vejo para além de mim – surge-me o pensamento aguado de que os chamados «tempos particularmente difíceis» são-no sobretudo, ou desde logo, para o nosso entendimento. Na verdade, nós falamos sobre essa particularidade, mas não a consciencializamos enquanto atores da mesma; desresponsabilizamo-nos até de forma inconsciente. Mas ao mesmo tempo sobressaltamo-nos quando as evidências vêm à tona de água. A generalidade de nós está com o foco no duro conflito entre a Palestina e Israel. Acumulamos dores e guerras que à distância nos adoecem. Os nossos corações estão muito tristes com o massacre, com a barbárie. Conscientemente sabemos que não seria impossível de acontecer, mas somos sempre apanhados de surpresa. E ficamos assustadas e assustados com o temor que tudo causa. É longe, mas não é assim tão longe. É perto demais às vezes. E a nossa capacidade de pensar e sentir faz-nos perceber que regredimos quando perante este conflito israelo-árabe, que agora nos coloca em sistema de alerta, sentimos em pleno Ocidente repercussões sociais – bullying entre jovens que ostracizam um dos seus pares porque este se chama «Israel», por exemplo. Demonstra isto que a nossa razão não consegue controlar o nosso instinto. Operacionalizar a maldade em nós, fruto da fraca estruturação humana – e, tantas vezes, desumanização – é meio caminho, ou mais de meio caminho, para ficarmos comprometidos com o futuro.

Repudio a violência. E falando do longe e do perto, embora sem paralelos, repudio tanto a violência na Faixa de Gaza, e em tantas outras partes do mundo, como a que se consubstancia em agressão aquelas que vimos atingirem ministros por parte de ativistas pelo clima. Em ambas as circunstâncias quem protagoniza a violência considera-a a única alternativa na determinada circunstância. Não é uma questão de julgamento, na medida em que consigo entender as razões por detrás das ações, mas não as aceito em Democracia que é o sistema em que vivo e quero continuar a viver. A violência cria muros. Muitos muros. O que apenas serve para enfraquecer a nossa capacidade enquanto seres sociais em evolução e nos impede de chegar ao «Futuro» tão aguardado e que permanecerá, assim, na grandeza de uma sala de espera.

Por aqui, num projeto em que imaginamos uma Eurorregião sem os muros que entropeçam as relações e a escala de desenvolvimento de quem aqui vive é pesaroso verificar que se vão erguendo outros muros na nossa aldeia global e que as suas repercussões chegam até nós de forma sublime e eficaz. Como gerir esse embate!? Cooperando e trabalhando para a prosperidade do território. Fazendo diferente e unindo-nos a quem está no mesmo comprimento de onda. Uma cadeia de valores que nos deve guiar e ajudar a criar um pensamento a partir da raiz, do local para que possamos viver de forma globalmente sustentável. Não sendo simples não é difícil. A equação é subtrair o instinto negativo pela racionalidade com boas emoções, ganhando anos de vida num planeta progressivamente mais em paz consigo próprio.

Poderia destilar outro tipo de sentimentos e respaldar-me com os «tempos particularmente difíceis», mas o «mundinho» e a «vidinha» são parcos em ambição. Ampliemos a consciência e a vontade de trazer prosperidade às relações na nossa sociedade cada vez mais plural. Ampliar horizontes e preservar os horizontes da memória. Porque somos feitos de todos os corpos que ao longo das várias Eras sentiram na pele os seus «tempos particularmente difícieis».

Susana Helena de Sousa

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